terça-feira, 21 de junho de 2011

Uma menina mulher

Mal o dia amanheceu e ela já está de pé. O frio da madrugada ainda assusta quem precisa se levantar, ou está saindo de casa. A neblina ainda cobre as casas vizinhas, mas ela nem se dá conta, não tem coragem suficiente para abrir a janela do seu quarto e olhar a cidade cinza pela sacada. Acorda, toma seu banho matinal, veste o uniforme azul, e com os olhos ainda fechados, coloca a meia; não um par de meias, mas dois; não pelo frio, mas pelo sapato duro que precisa calçar; não por falta de opção, mas porque precisa seguir normas. Ela calça uma meia com desenhos de abelhinha, outra de corações. Não, não estou falando de uma criança.

Ainda sonolenta ela se dirigi à cozinha, passa batida pela cadelinha Lolita e abre a geladeira em busca de água. Não, ela não quer comer nada pela manhã, ela não consegue comer. A cadelinha, toda feliz, a observa, na esperança de um cafuné, um carinho, mas ela passa novamente batida pela mascote; já são 6h15 e ela precisa se apressar. Vai até o banheiro que também está gelado, como aquela manhã, como a cidade em que vive. Escova os dentes minuciosamente; escova novamente e, após a terceira vez, se olha no espelho e confere se eles estão suficientemente brancos. E assim ela retorna ao quarto para pegar a mochila, passar perfume e colocar os brincos. Não, ela não pode trabalhar de brincos, algum acidente sério de trabalho poderia acontecer se ela fosse com eles. Pega suas chaves, sua mochila e sai disparada pela porta, afinal, já são 6h25, o seu ônibus passa às 6h30

Grande parte da cidade já despertou, ainda que alguns cochilem nos pontos de ônibus e outros bocejem esperando por ele. Ela não pode estar com sono. Ainda que quisesse, o coletivo que ela usa não passa no ponto próximo a casa dela. Uma caminhada é necessária. Enquanto caminha, observa o mix que o clima faz de “fumacinha” emitida pela respiração das pessoas e da neblina. De fato é inverno, mas sua cidade recebe a estação como poucas outras na região sudeste. Suas mãos estão congelando e nem sinal do ônibus, porém ela aguarda na esperança de que o mesmo chegue logo, para que possa dormir por mais ou menos uma hora até chegar ao local de trabalho. Amigos passam pelo local e a observam. Ela continua ali, parada, paciente, como poucas pessoas são ao raiar do dia. Alguns a admiram por ser tão cordial e afável com a vida, pois, são poucos os momentos que eles presenciam de raiva, impaciência, ou tristeza. Outros até dizem não haver tempestade que a faça desistir ou que apague seu sorriso

Eis que surge o ônibus em meio ao nevoeiro e ela quase salta de felicidade por saber que agora pode dormir e se aconchegar no calor humano dentro do veículo em direção à Vale. O caminho não é longo. São menos de 20 minutos de Itabirito até a mina de Vargem Grande, entretanto, devido ao excesso de burocracias, ela espera quase uma hora até chegar de fato. O ônibus lotado por homens, quase se derrete quando a moça de sorriso largo nele adentra. Com um sorriso cordial e amigável, ela deseja bom dia e vai em direção ao seu lugar. E nesse pequeno trajeto ela sonha; sonha com uma vida menos agitada, com o amor. Sonha com o...

Bibiiiiiiiiiiiiiii! A buzina soa. É hora de descer do ônibus. Delicadamente ela ajeita os cabelos e desce na terra vermelha de minério. Por mais que estude para isso, ela prefere estar no escritório da empresa. Faz projetos, corre até o canteiro de obras, chama atenção dos peões, corre para a reunião, retoma os projetos, mas ainda não é nem meio dia. Pega o ônibus e vai almoçar no posto policial fora da mina. Enquanto uns colegas ainda almoçam, ela tira outro cochilo, quando vê, já está de volta à mina e é acordada pelo motorista. Faz mais projetos, tem mais reuniões, volta ao canteiro, estuda para a prova de logo mais e, no meio disso tudo, não se esquece do seu amor. Liga para ele, mesmo que seja só para ouvir sua voz. Naquele momento parece que o mundo para e ela nem se lembra mais da rotina corrida.

Quando desliga a ligação, seu mundo de faz de conta e ilusões tem um fim e ela se lembra que precisa terminar o trabalho da faculdade. Por mais que queira continuar parada, sonhando e pensando na saudade que sente, ela volta ao computador, afinal, já está quase na hora de ir embora. No meio de toda confusão, de tanta correria, ela se cansa. Por alguns segundos, ela deseja jogar tudo para o alto, mas é só retomar a sanidade mental que o desejo de vencer na vida fala por si só. Termina o trabalho, finaliza o projeto, mostra ao chefe e novamente embarca no ônibus de volta a Itabirito. São 17h e ela precisa estar pronta às 18h para pegar a van em direção a Belo Horizonte, para ir à faculdade.

Tira a botina vermelha de minério, tira o capacete e, por debaixo dele surge um cabelo macio e sedoso que precisa ser lavado. Corre para o banheiro, lava os cabelos, engole uma barrinha de cereal e às 17h50 já está no ponto de ônibus esperando pela van, Depois de um dia estressante como esse não seria problema se não tivesse um sorriso para dar às pessoas. Não, ela dá o mesmo sorriso aos colegas de transporte e o mesmo é dado aos colegas ao chegar à sala de aula. Conversa com os amigos, presta atenção à aula, faz alguns trabalhos de última hora e finalmente já são 22h, hora de pegar estrada e voltar para casa.

Uma hora depois Thatiany chega em casa, exausta. Toma um banho, come alguma coisa (se tiver) e deita-se. Ela tem apenas 19 anos, mas já sabe os sabores e dissabores da vida. Não faz corpo mole e raramente reclama da vida que leva, pelo contrário, costuma conversar diariamente com Deus e agradece todos os dias por ter essa vida. Tem consciência que milhares de pessoas gostariam de estar trabalhando e estudando e ai de quem reclamar à toa da vida perto dela. E com o mesmo sorriso ela liga para seu amor e lhe deseja boa noite.